Depressão materna e o desenvolvimento neuropsicológico da criança

Foto Autor Post por Daniele Passos

No meio científico é consenso a importância dos primeiros cuidados maternos para com o bebê, ou quem faça esta função, para que este possa ter um desenvolvimento emocional e afetivo adequados. A formação do vínculo mãe-bebê interfere ativamente no desenvolvimento emocional.

 

Observamos em nosso trabalho clínico um número crescente de mulheres-mães que chegam em nosso consultório queixando-se de depressão pós-parto e esta queixa não é em vão ou fictícia, pois  essas mães, muitas vezes de primeira viagem, sofrem e não conseguem cuidar de seus tão ( ou não) desejados bebês.

 

Questionamo-nos sobre as consequências neuropsicológicas e quais seriam os riscos para o desenvolvimento infantil dessas crianças filhas destas mães deprimidas, já que a importância do vinculo mãe-bebê é tão difundido no campo cientifico e social.

 

A gestação e o nascimento de um bebê marcam a vida de uma mulher de modo avassalador. Algumas pessoas costumam dizer a frase: “Nasce um bebê, nasce uma mãe”. Entretanto, o nascimento desta mãe em 10 % a 15 % dos casos, culmina, também, com o nascimento da depressão pós-parto. Muitas mães revivem neste primeiro período de nascimento de seus bebês, os seus próprios traumas, medos e angústias inconscientes. Mas como podemos caracterizar e definir os sintomas e a depressão pós-parto? Fernandes e Cotrin (2013) dizem que:

 

“A DPP é qualificada como um transtorno depressivo que provoca alterações emocionais e necessita de tratamento adequado. Segundo Klaus et al (2000), a depressão associada ao nascimento de um bebê abrange um conjunto de sintomas que, geralmente, iniciam-se entre a quarta e a oitava semana após o parto, atingindo  de 10 a 15% das mulheres. Tais sintomas incluem irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e de sono, sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, bem como queixas psicossomáticas.” (FERNANDES, COTRIN, 2013, p. 18)

 

Esta definição, apesar de abrangente, pensamos ser bem adequada para definir significativamente as sensações negativas relatadas por mães- mulheres que procuram ajuda psicológica. Vale ressaltar que observamos no contato clínico, o discurso deprimido de muitas mulheres que nem sempre apresentam todos esses sintomas, porém, desinvestem em seus filhos, por não conseguirem detectar que estão com depressão, ou por não acreditarem que estão doentes, pelo simples fato de que muitas permanecem realizando suas atividades cotidianas, adicionadas ao fato de terem se tornado mães.

 

O estado deprimido de uma mãe que, passa despercebido ao olhar das pessoas que estão ao seu redor, não passa despercebido ao olhar do bebê, pois o bebê necessita deste olhar de investimento contingente para poder suportar emocionalmente suas angústias e medos, principalmente, durante os primeiros meses de vida, pois seu olhar é misturado ao olhar e ao corpo da mãe. Por sua vez, este bebê através dos recursos que tem: fome, sono, choro, passa a demonstrar sua angústia através de um desequilíbrio em suas funções fisiológicas, tais como: não dorme, chora demais, não aceita ficar com outras pessoas, tem dificuldade de se alimentar, não corresponde aos estímulos pertencentes à cada fase de seu desenvolvimento inicial, sem ter uma causa clínica-médica que embase tais comportamentos. Assim, a mãe tem que se contentar com frases do tipo: “Ele é chorão”, “Ele come de mais”, “Ele come de menos”, “Ele não gosta de dormir”, “Ele tem muita cólica”. Esses sinais que o bebê transmite, muitas vezes, não são captados como um sinal de que a mãe está deprimida, pois todos os olhares de uma família se voltam para o pequeno bebê e não para a mãe. Esta que, também, está atarefada com os afazeres da nova rotina e, também, não consegue olhar a si mesma.

 

Realizamos uma pesquisa de revisão bibliográfica, onde é possível, abaixo, ler as consequências neuropsicológicas em crianças filhas de mães deprimidas.

 

Sendo assim, os estudos apontam que crianças filhas de mães deprimidas desenvolvem apego inseguro, apresentam maior ansiedade e probabilidade de ter depressão. Quanto aos aspectos cognitivos, podem apresentar déficit de atenção, hiperatividade, dificuldades de aprendizagem e transtornos de linguagem. Os estudos apontam que crianças muito adaptadas, que correspondem fortemente às expectativas de pais e professores, necessitaram usar suas potências iniciais de vida para encontrar dentro de si uma mãe interna para sobreviver, em consequência do adoecimento da mãe real.

 

Nas pesquisas estudadas as dificuldades de linguagem apareceram como consequência importante da depressão pós-parto em mais de um dos estudos. O que demonstra que o investimento materno em se comunicar com o bebê, o contato visual, a verbalização e o toque são protetores para o bom desenvolvimento neuropsicológico.

 

A ansiedade materna pode ser considerada um indicador de proteção infantil, visto que mães mais ansiosas tendem a serem mais atentas as necessidades das crianças e conseguem estimular melhor as crianças no quesito cognitivo, porém, o observou-se que o desenvolvimento motor fica prejudicado, pois mães ansiosas sentem mais insegurança em  expor os filhos ao chão.

 

Verificou-se na maioria dos estudos analisados a importância do ambiente como fator primordial para a proteção do desenvolvimento neuropsicológico da criança. O ambiente materno e o ambiente social onde esta relação se configura são considerados preditivos para um bom desenvolvimento e existe uma correlação negativa entre a depressão pós-parto e a construção da subjetividade infantil, visto que, a mãe deprimida não consegue oferecer a seu bebê um ambiente afetivo e de interação que o integra no mundo. Os estudos pontuam, também, sobre a importância da saúde mental paterna após o nascimento de um bebê, pois este novo pai pode ser afetado pela depressão materna e contribuir para um ambiente hostil e não facilitador para o desenvolvimento infantil.

 

A importância do suporte emocional as mães deprimidas é de suma importância para minimizar e retardar os efeitos nocivos desta nova relação que se inicia entre a díade mãe-bebê. Mães que puderam contar com suporte emocional desde o início do nascimento do bebê demonstram conseguir reverter esta relação não facilitadora com melhor habilidade. Como exemplo, temos a pesquisa descrita com mães de prematuros que necessitaram de internação em UTI neonatal, as quais vivenciaram uma situação de sofrimento, portanto, sujeitas potenciais para o desenvolvimento da depressão pós-parto, porém, constatou-se que ao final da internação e final do primeiro ano de vida dos filhos, o grau de ansiedade foram significativamente reduzidos e não há relatos de depressão pós-parto, devido ao suporte emocional da equipe profissional do hospital onde suas crianças estiveram internadas.

 

Pensamos que o diagnóstico precoce da depressão pós-parto e seu adequado tratamento possam instrumentalizar estas mães a exercerem sua função materna e, se possível, esta função não seja executada por outra pessoa. Sendo assim, o suporte emocional da mãe deprimida pode favorecer um vinculo restaurador com seu bebê. O que observamos, na prática, é que a mãe adoecida tem sua função delegada a outros membros da família para que o bebê não seja alvo de descuido materno. Entretanto, quando se adota a política de se olhar apenas para o bebê, afastando a mãe, de alguma maneira, desta função está se afrouxando um vínculo. O ideal seria instrumentalizar afetivamente esta mãe deprimida, através de uma rede de apoio composta pela família, o médico, o psicólogo e grupos de apoio.

 

Existe na atualidade uma difusão e propagação da importância de grupos e cursos para gestantes, porém, ainda temos pouca divulgação de grupos de apoio e atendimentos domiciliares para puérperas. Assim, nossa contribuição é abrir um leque para pensar sobre novos estudos sobre o sucesso ou não do suporte emocional para mães de recém-nascidos, independente de ter ou não inicio de depressão pós-parto e, também, abre-se um campo de atividade, onde não prevaleça apenas a atenção a gestante, mas sim a puérpera, pois será esta fase a mais difícil, onde concretamente nasce uma mãe. O investimento nestas práticas, inevitavelmente, não refletiria apenas no bem estar desta mãe, mas sim a médio e longo prazo refletiria no desenvolvimento emocional e cognitivo destas crianças.

 

Dezembro /2015