Vergonha, o sentimento…

Foto Autor Post por Daniele Passos

Fiquei pensando esses dias sobre o sentimento da vergonha. Vergonha no dicionário Michaelis tem como significado “…Sentimento de desgosto que excita em nós a ideia ou o receio da desonra; rubor nas faces causado pelo pejo; timidez, acanhamento…”.

 

Sentir vergonha de algo ou de ser quem se é, normalmente, acaba limitando muito as pessoas de mostrarem o quão belas são. Costumo dizer que todas as pessoas tem dentro de si baús de tesouros preciosos, que muitas vezes ficam soterrados na areia da praia, como aqueles baús de tesouro procurados pelos piratas. Mas nos nossos baús internos e singulares os tesouros são os sentimentos, os sonhos, a criatividade, as idéias, as motivações, os talentos e os dons. As pessoas tímidas são experts em deixar os seus baús bem soterrados para ninguém achar. Entendo por tímido aquele que tem vergonha de se mostrar ao mundo, por não acreditar que existe dentro si conteúdos que possam surpreender aos que estão a sua volta. Feliz aquele que procura a psicoterapia para ajudá-lo a desenterrar seus tesouros.

 

O sentimento de vergonha me fez lembrar uma situação pessoal e que me intrigou bastante.
Há alguns meses atrás, meu pai me acompanhou em uma viagem para a realização de uma prova de recuperação. Prova esta que subestimei o seu grau de dificuldade e fiquei, totalmente, envolvida num sentimento de vergonha. Afinal, fazer uma prova de recuperação aos 34 anos de idade não era uma coisa que eu queria carregar no meu curriculum moral.
Durante esta viagem, meu pai, aos seus 71 anos de idade, foi me contanto suas histórias de vida. Onde morou, passagem por diversos empregos, as dificuldades financeiras, como começou sua vida como torneiro mecânico, etc. A família era muito pobre, porém, de gente muito arretada! Sempre vi meu pai destemido, arrojado, criativo e perspicaz. Suas experiências sobre a pobre juventude sempre foram contadas como sendo heroicas, de pessoa que deu a volta por cima, de gente que trabalhando “subiu na vida”.

 

No desenrolar dessa conversa algo me surpreendeu! Nunca havia ouvido meu pai dizer que teve vergonha de alguma parte da história da sua vida. Eis que ele me conta, que quando ele era “bóia-fria” (pessoa que carpe café, cana, trabalha na roça), ele sentia muita vergonha que alguém o visse encima do caminhão que levava os trabalhadores para a roça. E quando perguntavam com que ele trabalhava, ele mentia dizendo que era servente de pedreiro.

 
Aquela revelação me chamou muito a atenção. Como pode alguém ter vergonha do que é? Que força é esta transformadora que não cristalizou o sentimento de desejar uma vida melhor? Será que existe um lado positivo de se sentir vergonha? O sentimento de vergonha pode motivar uma transformação?

 

Todos nós já sentimos vergonha em algum momento de nossas vidas, é natural. Porém, o que devemos observar é se este sentimento está nos cristalizando, onde a timidez não permite que compartilhe os tesouros. Ou, pode ser encarado como um sentimento reflexivo sobre o que eu quero e o que eu não quero para minha vida.
Quanto a mim, fui fazer minha prova com muito medo de ser reprovada novamente. E por sentir vergonha estudei muito. A prova foi muito fácil. Saí da sala perplexa, pensando que as questões foram dadas de presente para mim. Porém mais tarde, pude perceber que a vergonha de tirar uma nota baixa me fez estudar muito e me preparar para a segunda chance e conseguir realiza-la com maestria. Aí fica a dúvida: a prova estava tão fácil, ou eu que me preparei para ela?

Junho/2016