Psicanálise e Psicopedagogia

Foto Autor Post por Daniele Passos

( Este texto é um recorte do meu Trabalho de Conclusão de  Curso da Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, cujo título é: “Psicanálise e o Desejo de Saber: Uma Contribuição para a Psicopedagogia”)

 

O estudo da Psicopedagogia tem ganhado grande destaque e repercussão dentro do campo da Educação, devido a sua importância para a compreensão de como o ser humano se relaciona com a aprendizagem.

 

Segundo Bossa (2011) a Psicopedagogia é tratada por diversos autores como um campo interdisciplinar, isso significa admitir sua especificidade enquanto área de estudo, cuja problemática que lhe deu origem foi os problemas de aprendizagem, construindo, assim, um corpo teórico próprio.

 

A Psicopedagogia se tornou a área de estudo específica das questões da aprendizagem, assim, segundo Lopes (2001) a psicopedagogia coloca-se num lugar de complexidade e estimula o debate e a consolidação de enunciados epistemológicos para suas práticas e problemas.

 

Teóricas como Alicia Fernandez (1991) e Sara Pain (2012), desenvolveram suas obras psicopedagógicas embasadas nos conceitos da Psicanálise para alicerçar seus pensamentos.

 

A Psicanálise enquanto teoria sobre a personalidade humana e, também, uma teoria que se preocupa com o desejo de saber é parceira da Psicopedagogia e seus fundamentos, pois é capaz de entender o modo de subjetivação humana. Alguns teóricos da psicanálise debruçaram seus estudos sobre a capacidade criativa e desejante do ser humano, como exemplo, temos o pediatra e psicanalista D. W. Winnicott (1975) que em seu livro “O brincar e a realidade” desenvolveu suas idéias sobre a criatividade dizendo “é através da apercepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida” (WINNICOTT, 1975, p. 95).

 

Penso que o processo psicopedagógico, assim, como a clínica psicanalítica possibilitam ao sujeito ressignificar esse olhar curioso pela vida e pelo conhecimento. Portanto, as clínicas psicopedagógicas e psicanalíticas possibilitam ao sujeito uma segunda chance para o encontro do fortalecimento do Eu e da autoestima.

 

Muitas das queixas que chegam aos consultórios são de crianças com suas capacidades cognitivas, de processamento, atenção e memória preservados e mesmo assim, elas não aprendem ou não conseguem demonstrar seu potencial. Sabemos que existem, de fato, graças ao conhecimento psicopedagógico e neurológico, que algumas pessoas terão transtornos de aprendizagem devido a questões importantes relacionadas ao organismo.

 

Entretanto, gostaria de abordar duas autoras que não conhecia, as quais o curso de Especialização em Psicopedagogia me ocasionou este feliz encontro. São elas Sara Pain e Alícia Fernandez.

 

Sara Pain (2012) filósofa e psicopedagoga franco – argentina aborda a função do psicopedagogo como aquele que tem a função de se apoiar numa teoria que contemple todos os aspectos do sujeito que aprende. Assim, tanto sua capacidade cognitiva, quanto seu emocional necessitam ser vistos com atenção. Pain (2012) diz que “permitir à criança apropriar-se de um conhecimento é lhe permitir fortificar seu ego, à medida que ela pode se constituir em uma personalidade mais segura, mais dominante e mais responsável.” (PAIN, 2012, p. 17).

 

Psicanaliticamente existem muitas teorias sobre a relação mãe-bebê e sua importância para o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança. Eu mesma, preocupada com estas questões, em 2015, conclui o curso de Especialização em Neuropsicologia, cujo tema do meu trabalho de conclusão foi: “A mãe deprimida e o desenvolvimento neuropsicológico da criança”. Este artigo de revisão bibliográfica encontrou como resultados que a relação mãe e bebê não é importante apenas para o desenvolvimento emocional da criança, mas que esta relação está intimamente relacionada ao desenvolvimento neuropsicológico, incluindo, portanto, o desenvolvimento cognitivo, o planejamento, a memória, a linguagem e toda estruturação mental da criança. Ou seja, uma relação materna de desejo por este bebê, mesmo que ele ainda esteja na barriga de sua mãe são fundamentais para o bom funcionamento mental e global das crianças . Assim, num primeiro momento, o bebê necessita do desejo do Outro, este Outro pode ser sua mãe, ou quem realize esta função, pois é através do olhar do Outro que a criança enxerga a si mesma. E, também, é através da curiosidade do Outro que o bebê segue com o mesmo olhar e descobre as oportunidades da vida.

 

Além da função simbólica (desejante), no campo psicopedagógico não podemos desconsiderar a questão da inteligência e dos processos cognitivos. Em seu livro “A Inteligência Aprisionada”, Alícia Fernández (1991) traz a importância da interação entre a inteligência e a emoção.

 

Para Fernández (1991) quando nos referimos à inteligência estamos falando de uma estrutura lógica que tem por objetivo classificar, ordenar, generalizar, procurar pelo comum e objetivar. Esse processo demanda a maturação do sujeito que se desenvolve através de um processo gradual onde o conhecimento é construído, através das experiências de percepção do real.

 

Fernández (1991) faz uma reflexão importante sobre Freud e Piaget, quando nos diz que assim como Freud sustenta a existência de uma sexualidade infantil, Piaget sustenta que a inteligência e o raciocínio não são exclusividades dos adultos, visto que, na relação do bebê com o meio existe uma inteligência sensório-motriz, que se constrói num processo.

 

Percebemos mais uma vez como a Psicopedagogia consegue contemplar o sujeito na sua integridade, assim, segundo Fernández “para que haja aprendizagem, intervém o nível cognitivo e desejante, além do organismo e do corpo”. (FERNÁNDEZ, 1991, p.74)

 

Para a autora o desejo é ligado à subjetivação e singularidade do sujeito.  Aquilo que lhe é singular e que através dos vínculos afetivos é construído o lugar que o sujeito ocupa no mundo. Sendo assim, segundo Fernández (1991) é através de processos objetivantes e subjetivantes que a aprendizagem acontece.

 

Pain (2012) traz a objetividade como instauradora da realidade, algo que está fora de nós e que não podemos mudar. Entretanto, o subjetivo se instaura na irregularidade, lugar do desejo, e nos diferencia uns aos outros. A autora vai mais além e psicanaliticamente nos fala sobre a representação do desejo que é constituído por uma falta, assim só podemos desejar o que não temos. O reconhecimento de nossa finitude, faz com que o homem, inserido na cultura, busque não apenas perpetuar a espécie através da reprodução, mas sim através da transmissão do conhecimento, pois sua falta simbólica é representada pelo desejo, conforme nos diz Pain (2012).

 

O pensamento de Kupfer (2013), psicanalista lacaniana, reafirma o pensamento teórico psicopedagógico, que utilizamos como referencial, sobre a importância da relação com o Outro para a existência da subjetividade e da aprendizagem. Pois, segundo Kupfer (2013) o sujeito se constitui pela linguagem, ou seja, não pela comunicação, mas o sujeito é constituído na trama da linguagem. Desse modo, quando uma criança se desenvolve, ela se constitui enquanto sujeito. Enquanto sujeito que estrutura um aparelho psíquico, que não tem a ver, necessariamente, com o corpo biológico. Mas sim de um aparelho que necessita da presença do Outro para existir.

 

Aos educadores, podemos contribuir, afirmando que será o olhar potencializador e singular para aquele sujeito com dificuldade em aprender que irá ajudá-lo a reconstruir sua autoestima. Assim, conseguir olhar para além das dificuldades dos alunos e, também, para além de nossas próprias dificuldades é enxergar a subjetividade humana pulsante. Para este olhar, muitas vezes precisamos nos despir de nossos preconceitos, nossas certezas, nossa cultura e penetrar no outro não como invasor, mas como alicerce subjetivo, pois como vimos, durante todo o decorrer deste memorial, é através do Outro que se aprende.

 

A intenção com este texto não é esgotar o assunto, mas proporcionar ao leitor o despertar do desejo em ampliar o conhecimento. Como aconteceu comigo, tornando-me apaixonada agora, não mais apenas pela Psicanálise, mas também pela Psicopedagogia e pelas autoras Sara Pain e Alícia Fernández

 

Referências:

 

ABPp. Código de ética da Psicopedagogia, de 12 de julho de 1992. Disponível em:<http://www.abpp.com.br/documentos_referencias_codigo_etica.html>. Acesso em: 20 Ago. 2017

BOSSA, N. A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir

da prática. Rio de Janeiro. Wak Editora, 2011

______ Fracasso Escolar: Um olhar Psicopedagógico.  Porto Alegre. Artmed, 2002.

FERNÁNDEZ, A. A inteligência Aprisionada. Porto Alegre. Artmed, 1991.

KUPFER, M.C. Educação para o futuro. Psicanálise e Educação. São Paulo: Escuta, 2013

LOPES, E. et. al. A psicanálise escuta a educação.Belo horizonte: Autêntica, 2001

PAIN, S. Subjetividade e Objetividade: Relação entre Desejo e Conhecimento. Rio de Janeiro. Vozes, 2012.

______. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1985.

PASSOS, D. M. A mãe depressiva e o desenvolvimento neuropsicológico da criança. UNIARA. SÃO PAULO, 2015.

RELVAS, M. P. Neurociência e transtornos de aprendizagem: as múltiplas eficiências para uma educação inclusiva. Rio de Janeiro. Wak Editora, 2015.

RUBINSTEIN, E. (ORG). Psicopedagogia, uma prática, diferentes estilos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999

WINNICOT, D. W. O brincar e a Realidade. Rio de Janeiro. Imago, 1975